segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Adolescentes recriam histórias consagradas e publicam na web

Quando encontra um nome perfeito para um personagem ou consegue imaginar um desfecho surpreendente para um novo enredo, Caroline Figueiredo corre para fazer anotações em seu caderno. Depois, a estudante, fã de comédias e filmes como “Jogos vorazes” e “Os Vingadores”, passa tudo para o computador e disponibiliza a produção na internet. Já são mais de 60 histórias acompanhadas e comentadas por leitores de várias partes do Brasil e do mundo. Todas baseadas em “The 39 clues” (“As 39 pistas’’), série de livros que Caroline nem se lembra mais de quantas vezes leu.

— O que faço é fanfiction. Me inspiro para criar novas histórias a partir de outras que gosto — explica a menina de 16 anos sobre o gênero literário nascido na web e definido como “ficção de fã”.


Textos sobre os mais diferentes temas que usam celebridades como personagens e repetem tramas já conhecidas viraram febre entre os adolescentes, que seguem autores novatos como Caroline em sites que abrigam milhares de histórias. Harry Potter é, disparado, o mais citado. Entre as séries de TV, “Glee” e “Doctor Who” saem na frente, já no meio musical, só dá o One Direction. Escrita por uma americana de 25 anos, a fanfic “After” tem grande apelo erótico e um protagonista “mulherengo e bêbado” batizado com o mesmo nome e sobrenome de um dos integrantes da boyband. A trama teve mais de um bilhão de visualizações e deve seguir o sucesso de “Cinquenta tons de cinza”, também originária na internet e inspirada em outra obra: “Crepúsculo.’’ Por questões legais, a versão impressa de “After” teve nomes trocados antes de chegar às livrarias e, em breve, vai virar filme.

— Fanfic não é só sacanagem não — avisa Babi Dewet, de 28 anos, autora da trilogia “Sábado à noite’’, que vendeu mais de dez mil cópias e fala sobre a banda britânica pop McFly.


O primeiro livro de Babi foi bancado pela mãe. Hoje, ela está entre as escritoras mais populares do gênero por aqui. É formada em Cinema, coleciona seguidores no Twitter e no Instagram e com seus longos cabelos com pontas azuladas, dificilmente passa despercebida. Nos braços carrega nove tatuagens, entre elas um Yoda de “Star Wars”, os símbolos das relíquias da morte de “Harry Potter”, e uma estrela igual à do líder do grupo preferido.

Ainda que não tão estilosas como Babi, muitas outras meninas (sim, elas são maioria esmagadora no mundo das fanfctions) sonham em trilhar o mesmo caminho e não medem esforços para isso. Sabem que fórmula pronta não existe, mas reconhecem que há algumas maneiras de fisgar novos leitores na web. Escrever ou pelo menos pensar num título em inglês, por exemplo, pode despertar uma maior curiosidade e resultar num maior número de visualizações.

Enquanto uns acham que usar enredos já conhecidos ou nome de famosos não passa de plágio, há quem veja a produção como uma homenagem.

— Ninguém é verdadeiramente famoso hoje em dia se não tiver sua obra recriada por dezenas, centenas e milhares de fãs — afirma Cristiane Costa, autora de “Sujeito oculto”, livro escrito a partir de uma colagem de diferentes títulos. — O mercado passou a olhar este tipo de literatura com outros olhos. O que chama atenção é o número de visualizações e seguidores. É um tipo de autor que já vem com seu próprio público a tiracolo.


Foi exatamente o que aconteceu com Letícia Black, também conhecida como " Leka Judd. No currículo da escritora de 24 anos há 90 fanfics espalhadas pela internet e o recém-lançado “Garota de domingo”, que fala sobre o conturbado romance entre Pam e Davi. O livro de Letícia está nas estantes de grandes livrarias dividindo espaço com séries best sellers internacionais como “Diário de um banana”.

Marcella Moreira tem 19 anos e é autora de 18 fanfics (“Eu escrevo muito e muito devagar”, confessa). Como Letícia, Cell é uma das participantes do Clube das Autoras, site que existe há dois anos, tem 30 mil leitores e cerca de 200 textos disponíveis.

— Os homens têm preconceito com o nosso trabalho. Acham que só escrevemos sobre bandas com garotos bonitinhos. Mas não sou dessas que ficam apaixonadas por qualquer um. Meu coração bate mais forte é pelo Fluminense — conta Marcella, que não tem namorado e é autora de alguns contos indicados apenas para maiores de idade por relatarem triângulos amorosos, traições e vinganças.

Beatriz Sosinho, de 16 anos, também fala e escreve sobre esses e outros assuntos, em tese “proibidos” para menores como ela. Prefere usar títulos em inglês e sempre cita bandas e cantores em seus textos. A ideia de “The fox and the snake” veio de “Hey you”, do Pink Floyd, e a história medieval “Stairway to heaven” foi batizada como a música do Led Zeppelin.

— Conheci o Sex Pistols lendo fanfics, sabia? — comenta Beatriz, a BJ Stewart.


Enquanto alguns carregam o laptop para a cama para acompanhar as aventuras de seus personagens favoritos, outros leitores chegam a imprimir páginas e mais páginas de textos como uma forma de driblar o controle dos pais.

— Já fiz isso, mas hoje prefiro ler no celular mesmo. Aí sei que ninguém vai implicar comigo. Se pudesse, passava noites em claro lendo, mas tenho que acordar cedo para ir para a escola — reclama Giovana Rita, de 17 anos, fã de mitologia grega e autora de cinco fanfics.

Um dos segredos do sucesso das “ficções de fãs” é a possibilidade de dar ao leitor a chance de “customizar” o que vai ler. Antes do acesso ao texto, muitas delas permitem que se escolha o nome, cor dos olhos e cabelos do protagonista, além do nome do melhor amigo ou pretendente. É uma maneira de ser inserido no cenário e fazer parte do universo que tanto gosta.

Nos Estados Unidos, só o site Fan Fiction tem cinco milhões de textos em 30 idiomas, e um dos principais no Brasil, o Fanfic Obsession, disponibiliza mais de oito mil histórias de diferentes gêneros, tem 18 mil acessos todos os dias de 25 países e 97% dos leitores do sexo feminino, entre 14 e 21 anos. Vislumbrando um mercado dos mais lucrativos, a Amazon permite desde o ano passado que fanfics sejam vendidas através do Kindle Worlds. Lá, a regra é clara: os lucros com as vendas devem ser divididos com os autores das obras originais.

— Acho o máximo participar de tudo isso e não ligo para quem diz que o que a gente faz é plágio. Esta é uma forma de incentivar a leitura e fazer novos amigos — acredita Giovanna Lobo, de 16 anos, que tem 36 textos publicados e um deles, “Anjo imperfeito”, com partes inteiras copiadas em outra fanfic na semana passada. — Não tem jeito. Até a gente corre esse risco.


Fonte: O Globo

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