sábado, 5 de julho de 2014

Conto de Beckett rejeitado há 80 anos é publicado

Quando a editora britânica Chatto & Windus decidiu publicar o primeiro livro de ficção de Samuel Beckett, em 1933, uma coleção de dez histórias intitulada “More Pricks Than Kicks”, ela pediu que o autor irlandês escrevesse outra para fechar a edição com chave de ouro.


Mas houve um problema. Beckett havia matado o protagonista do livro, um intelectual de Dublin chamado Belacqua Shuah, em um conto anterior. Logo, ele teve que ser ressuscitado. Um segundo contratempo surgiu. O editor de Beckett, Charles Prentice, achou que a nova história do escritor, “Ossos do eco”, não era lá das melhores.

“É um pesadelo”, escreveu Prentice para Beckett. Este foi o início de uma das grandes cartas de rejeição da história da literatura. “(O conto) me dá calafrios. As pessoas vão ter arrepios. Elas ficarão confusas e perplexas.”

Oito décadas depois, a Grove, editora que publica a obra de Beckett nos EUA, coloca “Ossos do eco” nas prateleiras pela primeira vez. É um livro lindo que recebeu uma ótima edição. As 49 páginas do conto quase se perdem entre prefácio, introdução, notas, fac-símile do texto original, uma seleção de cartas trocadas entre Prentice e Beckett, uma bibliografia e 57 páginas de (excelentes) anotações do editor do livro, Mark Nixon.

Vale a pena abrir caminho por esta ostra para retirar uma pérola. “Ossos do eco” é um trabalho relativamente menor, mas é um texto pungente da fase inicial da carreira de Beckett, escrito enquanto ele ainda estava sob as asas de seu mentor, James Joyce. Contudo, há um cenário próprio de seu estilo: rude, surreal, sombrio, sexualmente adormecido, seco feito um osso. Vale ler “More pricks than kicks” antes, mas a história se sustenta de maneira independente.

Como uma peça de teatro, “Ossos do eco” apresenta três atos. No primeiro, Belacqua renasce e se involve com uma prostituta chama Miss Zaborovna Privet. No segundo, conhecemos um gigante chamado Lorde Gall de Wormwood, cuja mulher é estéril. (A assistência sexual de Belacqua pode ser utilizada). No último, Belacqua se senta em sua lápide enquanto vê seu túmulo ser profanado. Estes elementos não são coerentes; eles não constroem nada; são como escadas que levam diretamente ao teto. Todavia, os prazeres da história são reais, e residem na escrita “diabólica” de Beckett.

Não está claro se o escritor tinha a intenção de publicar o conto algum dia. Ele teve a oportunidade de inclui-lo em edições posteriores de “More pricks than kicks”, mas não o fez.

Sorte nossa que o conto foi finalmente lançado. “Ossos do eco” é um manifesto punk (Beckett tinha 27 anos quando o escreveu) que comprova a importância que o autor ainda tem nos dias de hoje.

A edição brasileira do livro, com tradução de Caetano Galindo, será lançada pela Globo Livros em setembro. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário